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O difícil equilíbrio do “Superhumano”

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A estrategista criativa e designer Louisa Heinrich nasceu em Londres e é filha de pai suíço/americano e de mãe russa/alemã. Cidadã global, viveu na Índia, na Tailândia, na Austrália, na Rússia, na Alemanha e nos Estados Unidos, e hoje se divide entre Londres e Berlim com sua própria empresa, a Superhuman. Nessa entrevista, ela explica o que a levou a montar uma empresa que aborda os aspectos humanos do futuro digital, voltada, como ela diz, para necessidades reais, de pessoas reais. Depois de trabalhar intensamente em grandes empresas como a BBC, Citibank e Fjord (hoje Accenture) e a criando muitas das traquitanas tecnológicas disruptivas hoje consideradas banais (como o iPlayer e o online banking), Louisa quis dar um propósito maior para a sua carreira.

O que é Superhuman e por que o nome?
Louisa
- Superhuman é um coletivo de pessoas que se reúnem para os jobs, conforme necessário. O nome vem da nossa filosofia de que a tecnologia pode nos dar todas as superpotências, mas apenas se a aplicarmos corretamente – e fazemos isso colocando as pessoas em primeiro lugar. O nome foi inspirado por uma palestra que eu fiz no PICNIC 2012 em Amsterdã, com o tema “The New Ownership”. Kitty Leering (uma das organizadoras) colocou a questão para mim: “O que significa possuir a nós mesmos na era digital?” Eu ainda estou pensando a respeito – mas a palestra que eu dei se chamava “Eu sou Superman”. Cerca de quatro meses depois, eu fundei a minha empresa, e quando um amigo sugeriu o nome inspirado em um tema tão caro para mim, a Superhuman Limited nasceu.

Como humanizar o digital quando o humano está se tornando cada vez mais…digital?
Louisa
- Eu acho que tudo é o equilíbrio sobre quem (ou o que) toma as decisões. A Inteligência Artificial pode ser muito útil, mas funciona melhor em sistemas fechados com regras fixas – como Xadrez ou Go, ou uma linha de montagem de peças exatamente iguais. Quanto mais previsível for o ambiente, melhores serão as decisões. Mas no mundo real, onde as pessoas vivem e trabalham, o sistema não é fechado ou fixo. As pessoas são maravilhosamente inventivas e imprevisíveis, o que dificulta que a IA preveja o que faremos, queremos ou gostaremos. Além disso, há muitas coisas que podemos (ainda) fazer muito melhor do que as máquinas.
Temos a tendência de nos apaixonar pela tecnologia e procurar cada vez mais maneiras e lugares de aplicá-la, algumas (se paramos para pensar) descontroladamente inadequadas. Por exemplo, existem agora aplicativos para ensinar crianças empatia (https://www.fastcodesign.com/3065711/wanted/an-app-to-teach-children-empathy). Isso não seria melhor se feito por pais humanos? Existem também aplicativos empresariais que elogiam os funcionários com base em determinadas ações pré-definidas e mensuráveis pela máquina, o que soa como um episódio de Black Mirror para mim. Só porque podemos fazer algo, não significa que devemos.
Precisamos encontrar maneiras de permitir que as inteligências humana e artificial colaborem entre elas, trabalhem juntas para que se tire o melhor proveito da ambas. Talvez o papel da IA seja nos mostrar possibilidades, para que possamos tomar melhores decisões ou talvez (como nos cuidados de saúde) apontar padrões que talvez não tenhamos conseguido identificar, e que possam levar a pesquisas inovadoras e ao desenvolvimento. Em geral, acho que o truque é sempre pensar sobre quem ou o que está no controle – a tecnologia deve nos empoderar, não nos governar.

Quais são os problemas reais, e como você percebeu que tantas pessoas criativas e inovadoras trabalham tão frequentemente para resolver questões que não são problemas de verdade?
Louisa
- 10% das pessoas no planeta Terra não têm acesso a água potável. Isso é um problema. A população global está crescendo mais rapidamente do que a nossa capacidade de crescer ou fazer comida. Isso é um problema. O gap entre ricos e pobres está crescendo, a educação está escorregando e a democracia é instável em muitas partes do mundo. Esses são problemas reais, grandes.
Não conseguir que seu sushi seja entregues às 11 da noite de uma terça-feira…não um problema. É uma conveniência. O mundo da tecnologia e cena geral de startups está se concentrando desproporcionalmente nesses não-problemas. Isso ocorre porque, em parte, eles são muito mais simples e fáceis de enfrentar.
Ao mesmo tempo, o mecanismo de investimento que impulsiona a cena das startups tende a valorizar projetos que podem alcançar resultados rápidos em detrimento daqueles que são longos e complexos e evitam coisas que parecem muito arriscadas. Muitas vezes se investe numa “saída” em vez de um “negócio” – os indicadores e as medições que determinam o quanto uma empresa vai vender são diferentes daqueles que determinam sua sustentabilidade a longo prazo e muitas vezes há conflitos. Pode-se argumentar que as fórmulas de avaliação são grande parte do problema.
Creio que muitos de nós estão interessados em enfrentar os grandes problemas, mas todos nós precisamos ganhar a vida também. Contanto que os #firstworldproblems simples forem os que estiverem sendo financiados, é neles que a maioria de nós focará. Então, depois que ganharmos nosso dinheiro, talvez possamos passar para as questões complexas, mais essenciais, como fez o Elon Musk. Talvez um dos maiores problemas que temos seja encontrar o equilíbrio certo entre tecnologia, dinheiro e humanidade.

O que você aprendeu trabalhando nos primeiros anos da era pontoCom, desenvolvendo produtos e serviços que são bastante comuns nos dias de hoje?
Louisa
– em primeiro lugar e acima de tudo: só porque você pode fazer uma coisa, não significa que deva fazê-lo. Muitas empresas gastaram tanto dinheiro em produtos digitais ao longo dos anos – primeiro foram sites, depois aplicativos, agora adicionando conectividade a objetos físicos – mas não trouxeram qualquer valor real ao seu negócio.
Em segundo lugar, que apenas fazer algo que nós (a tecnologia e o design) entendemos e gostamos não é bom o suficiente: temos que fazer as coisas de um jeito que faça sentido para as pessoas na outra extremidade. Isto é cada vez mais importante agora que o envolvimento com o mundo digital já não é opcional para a maioria das pessoas.
Finalmente, aprendi que é mais fácil ficar entusiasmado com a tecnologia do que fazê-la funcionar. A tecnologia já melhorou as nossas vidas de muitas formas, mas também causou problemas significativos, especialmente sociais (vide a discussão em curso sobre o efeito das falsas notícias e das “câmaras de eco” das mídias sociais sobre o processo democrático). A tecnologia muda e evolui rapidamente, mas nós, os humanos, demoramos mais para nos ajustar, a desenvolver habilidades sociais e estruturas para lidar com todas as mudanças. É importante que nós, na comunidade tecnológica, nos mantenhamos cientes dessa lacuna, para não nos encaixarmos coletivamente nela.

Quais eram os verdadeiros problemas naquela época?
Louisa
– Muitos dos mesmos que temos agora. Mas, do ponto de vista tecnológico, o principal desafio era fazer com que as pessoas compreendessem o potencial da Internet, mesmo quando nós mesmos estávamos aprendendo e descobrindo. De repente havia toda essa possibilidade: você podia falar com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Você podia publicar seus próprios pensamentos, gratuitamente, para qualquer pessoa no mundo ler. Como negócio, você podia expandir seu mercado exponencialmente, literalmente durante a noite. Foi tudo muito emocionante, mas foi difícil descobrir como fazê-lo funcionar como um vetor para o bem, em vez de apenas tecnologia para o bem da tecnologia.
Acho que já percorremos um longo caminho desde então – a tecnologia ajudou a ampliar os horizontes de muitas pessoas, dando a muitos de nós acesso à educação, informações e suporte (para não falar entretenimento) que não poderíamos ter tido de outra forma. Mas ainda temos esse problema do equilíbrio entre tecnologia e humanidade, e não podemos ignorá-lo.

Que desafio mudou sua vida profissionalmente?
Louisa
– Minha carreira está em constante evolução! Enquanto eu ainda estou interessada na mesma ideia principal – como fazer a tecnologia funcionar para as pessoas – a maneira com que fui me vnvolvendo com esse problema mudou e evoluiu ao longo dos anos. É importante continuar aprendendo novas habilidades e se adaptar ao que está acontecendo no mundo. Quanto a realizações, eu realmente não posso apontar para um momento particular que se destaque. Tenho orgulho de ter começado muito cedo, defendendo que projetos e negócios trabalhem de maneira próxima para serem mais eficazes – em 2000, era inédito que um Diretor de Design conversasse com um COO em uma organização sobre os riscos operacionais do projeto em que estávamos trabalhando, mas minha equipe e eu sentimosque era importante que o cliente entendesse o impacto total que o nosso projeto teria. Isso é cada vez mais a norma agora em agências digitais.

O que você sonhava ser quando era criança?
Louisa
– Queria ser Indiana Jones e James Bond. De preferência ao mesmo tempo.

Quando você descobriu que era criativo?
Louisa
– Acho que ainda estou descobrindo. Eu não me sinto particularmente criativa – tenho muitos amigos que eu considero muito mais criativos do que eu, artistas, músicos, designers e assim por diante. Nunca me propus a ser criativo – o que procuro são problemas deliciosos, suculentos e difíceis que me permitam aprender, crescer e colaborar com outras pessoas para encontrar soluções que funcionem.

O que inspira você hoje?
Louisa
– Pessoas que são apaixonadas por fazer uma diferença positiva no mundo. Trabalhando em desafios complexos e difíceis e encontrando caminhos através deles. Meus amigos e família, que vêm de todos os tipos de origens e profissões diferentes, todos colocam paixão, empatia, calor e curiosidade para tudo o que fazem.

E o que desanima?
Louisa
– Quando as pessoas não dedicam tempo suficiente para entender o todo, ou não estão dispostos a pensar sobre as coisas por uma perspectiva diferente da sua própria. Pessoas e empresas que escolhem a resposta rápida e fácil, mesmo sabendo que ela não é sustentável e pode ser prejudicial. Criatividade desperdiçada emprojetos copycat. Desanima ver pessoas com grandes ideias frustradas porque não têm dinheiro suficiente, ou experiência, ou poder.

Quem são seus ídolos?
Louisa
- Outra pergunta impossível! Vou listar alguns, mas há tantos!
Joseph Campbell (antropólogo), por me inspirar e me ensinar a ver a beleza e a verdade nas histórias e rituais que amamos e nos quais acreditamos.
Niels Bohr (físico), pelo seu compromisso não apenas com a ciência, mas com as pessoas e os princípios, e por ter sempre algo de importante para dizer. (Uma de minhas citações favoritas é dele: “Nunca se expresse mais claramente do que você é capaz de pensar.”)
E.e. Cummings (poeta), pela beleza, dor e alegria em sua escrita incrível, pela sua sua resiliência e bravura com que viveu e compartilhou sua vida e coração.
Dr. William S. E. Coleman (escritor, diretor, dramaturgo, historiador, filósofo, amigo), por sua genialidade, seu incansável humor e sua constante capacidade de me enfurecer e me inspirar.
Jane Jacobs (jornalista, autor, ativista), por ser sido a primeira pessoa a ressaltar que são as pessoas que fazem uma cidade e que o capital social (um termo que ela inventou) pode ser mais poderoso do que qualquer outro capital, e por ter tido a coragem de enfrentar o arraigado establishment do planejamento urbano.
David Bowie, pioneiro absoluto de tantas maneiras – música, poesia, política, sexualidade, arte.
E Leonard Cohen, David Foster Wallace, Michelle Obama, Jon Stewart, tantos mais. Sou inspirada por pessoas corajosas, apaixonadas, pensantes e articuladas.

Em que voc trabalharia se não tivesse essa profissão?
Louisa
– Nas artes. Meu primeiro (e duradouro) amor foi o teatro, então talvez algo nesse sentido. Ou escrevendo ficção, ou trabalhando ou apoiando as artes.

O que você tem lido e assistido?
Louisa
– Lendo:
Seveneves por Neal Stephenson
Weapons of Math Destruction por Cathy O’Neil
The Bricks that Built the Houses por Kate Tempest
O pintassilgo por Donna Tartt (pela segunda vez)
A Supposedly Fun Thing I’ll Never Do Again por David Foster Wallace (pela décima vez)

Assistindo:
The Crown
Westworld
Grace & Frankie
Hypernormalisation
Ex Machina (Não tenho ido ao cinema como gostaria, mas esse foi demais)
Quero ver: Doctor Strange, Fantastic Beasts e um bando de outros.
Na semana passada eu vi Glenda Jackson como Rei Lear no Old Vic em Londres, que foi ótimo. Eu gostaria de ver a trilogia de Shakespeare que está no King’s Cross Donmar Theatre também (Júlio César, Henrique IV e The Tempest). Adoro as peças de Shakespeare e é maravilhoso ver produções que mostram quão relevantes e poderosas essas histórias ainda são.

O que você faz quando não está trabalhando?
Louisa
– Quer dizer, além de ler e assistir coisas? ;) Eu cozinho para meus amigos e temos longas conversas e, às vezes, debates sobre história, literatura, política, música, filmes, hipsters, seja o que for. Eu também adoro longas caminhadas urbanas, museus e galerias, e um bom pub.

Como você se vê velhinha?
Louisa
– Sentada em uma varanda, envolta em um cobertor, olhando para a vista e bebendo um martini.
Espero estar vivendo em uma ilha em algum lugar, rodeada por meus amigos. Temos falado há anos sobre como deveriamos nos aposentar em algum lugar juntos, e compartilhar o custo dos cuidados quando precisarmos. Muitos de nós não têm filhos, portanto não têm a estrutura familiar “usual” para se aposentar, e o que é importante para nós é estar perto das pessoas que amamos.


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